Mulher agredida pelo próprio filho só tem paz após receber botão do pânico
Caixinha preta é a mais nova arma no combate à violência contra a mulher.
Iniciativa ganhou o prêmio Innovare em 2013 e está ajudando a Justiça.
Para as mulheres ameaçadas pelos companheiros ou por filhos agressivos, muitas vezes o socorro não chega a tempo de evitar o pior. Mas agora, elas têm um aliado, um aparelho que está trazendo mais segurança: o botão do pânico.
O Fantástico foi ao estado brasileiro que lançou esse projeto, e que está conseguindo diminuir os números da violência. A reportagem é de Marcello Canellas, Monica Marques e José de Arimatéa.
Uma sirene dispara na sala de operações da Guarda Municipal de Vitória. A dez quilômetros dali, um microfone capta a respiração ofegante de uma dona de casa. Ela está fugindo do marido que a agrediu.
Uma caixinha preta que se traz junto ao corpo ou dentro da bolsa é a mais nova arma da Justiça do Espírito Santo no combate à violência contra a mulher. Saiba onde encontrar Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher no seu estado.
“A partir do momento em que o botão do pânico é acionado, todo o áudio do ambiente começa a ser gravado. Isso se constitui na melhor prova judicial possível”, explica o desembargador Pedro Feu Rosa.
Outro flagrante. Ao mesmo tempo em que grava, o botão do pânico avisa a Guarda Municipal, que desloca imediatamente uma equipe. A descrição do agressor e a localização da vítima aparecem na tela da sala de controle.
Enquanto a equipe se apressa, as câmeras de monitoramento de trânsito da prefeitura rastreiam a mulher. Em sete minutos, a Guarda Municipal já está com a vítima. O marido está preso por já tê-la espancado antes, mas um amigo dele a ameaçou agora.
Ela ganhou o botão do pânico da Justiça depois que teve o rosto desfigurado pelo marido. “O cirurgião teve que reconstituir a maçã do rosto, porque teve três fraturas”, conta a mulher.
As pancadas trituraram o osso da face, mas o caso dela está longe de ser exceção.
“Nós já vimos casos piores. Até escalpelamento”, conta o cirurgião Renato Rocha Monteiro.
Dados oficiais do governo mostram que, a cada mês, 472 mulheres são assassinadas no Brasil, o que dá um assassinato a cada hora e meia. O Espírito Santo é o estado mais violento: 11,24 mortes em cada grupo de 100 mil mulheres.
Há pouco mais de dois anos, o Fantástico mostrou que as medidas protetivas emitidas pela Justiça capixaba, proibindo maridos violentos de se aproximarem não estavam funcionando.
Quando foi assassinada, na periferia de Vitória, Anita Leite trazia o papel da medida protetiva dentro da bolsa. Depois da reportagem, o marido dela, Hercy de Souza Leite, foi preso e aguarda julgamento.
“Nos chamava a atenção a vergonha de o Espírito Santo ser o último colocado no Brasil a nível de proteção das mulheres. Mulheres chegavam ao judiciário praticamente rasgando, jogando numa lata de lixo, o papel que continha a medida protetiva em função de que aquilo ali era nada mais, nada menos do que uma folha de papel. Não ia além disso”, afirma o desembargador Pedro Feu Rosa.
Foi então que o desembargador teve a ideia de implantar o botão do pânico. Em 2013, a iniciativa ganhou o prêmio Innovare, concedido a práticas inovadoras que modernizam a Justiça brasileira.
No começo, havia até uma certa desconfiança. Ninguém acreditava que um dispositivo que mais parecia coisa de cinema, dos filmes de ação de Hollywood, pudesse realmente funcionar em Vitória. Mas quando os primeiros botões de pânico chegaram, os resultados começaram a aparecer.
Na 11ª Vara Criminal de Vitória, a vítima e o ex-marido, acusado de agredi-la, ficarão frente a frente. Cada um conta uma história.
Fantástico: Você a agrediu?
Ex-marido: Não.
Fantástico: Você nunca agrediu a sua mulher?
Ex-marido: Não, teve discussão verbal de eu ter que me afastar.
Ex-marido: Não.
Fantástico: Você nunca agrediu a sua mulher?
Ex-marido: Não, teve discussão verbal de eu ter que me afastar.
Fantástico: Ele foi agressivo com você
Vítima: Foi.
Fantástico: Agressivo como?
Vítima: Ele me batia.
Fantástico: Batia como?
Vítima: Batia. Ele pegava a minha cabeça e atirava na parede. Depois me dava porrada.
Vítima: Foi.
Fantástico: Agressivo como?
Vítima: Ele me batia.
Fantástico: Batia como?
Vítima: Batia. Ele pegava a minha cabeça e atirava na parede. Depois me dava porrada.
A audiência começa e a mulher conta à juíza que o ex-marido só parou de persegui-la depois que ela passou a usar o botão do pânico.
Para a juíza Clésia dos Santos Barros, o bom resultado da medida protetiva só tem uma explicação: “Tenho certeza que foi por causa do botão do pânico. Por quê? Antes eu já tinha prendido esse cidadão umas duas vezes e não adiantava, ele ia atrás dela”.
Mas Franz Simon, defensor público do acusado, diz que a vítima está exagerando no uso do botão do pânico. “Ele tem medo de sair de casa por causa dessa situação. Ele está sendo ameaçado. A vítima aqui é ele, não é ela”, garante Simon.
Pedro Pessoa Temer, defensor público da vítima, rebate a acusação: “Se ela usasse o botão toda semana, todo mês, aí nós estaríamos com um excesso. Pelo contrário, ela tenta evitar acionar o botão questionando os transeuntes se o requerido está no local onde ela deseja ir”.
Há um impasse na audiência. O defensor da vítima quer a manutenção do botão. O defensor do acusado pede que o dispositivo seja entregue à Justiça.
“Eu posso extinguir até essas medidas, se o senhor provar que ela está correndo atrás dele”, avisa a juíza Clésia dos Santos Barros.
O defensor do acusado garante que a mulher vai atrás do seu cliente com o botão do pânico. “Ela procura saber onde ele está para acionar o botão e ele ser preso”, diz Franz Simon.
A mulher nega as acusações e conta que estava na porta da casa da irmã quando acionou o botão do pânico: “Ele estava com a faca, passou a faca em mim”.
No áudio do acionamento do botão, anexado ao processo, a mulher conta à Guarda Municipal o que houve: “Ele ‘tacou’ a faca no meu pescoço, ele ‘tacou a faca no meu pescoço!”.
Uma testemunha confirma: “Todo dia ele ameaça ela, todo dia passa em frente à casa dela e ameaça. Todo dia!”.
A decisão da juíza levou em conta a gravação. “Então, pelo sim, pelo não, vai ter medida protetiva, porque se você se aproximar de novo, vai ser preso”, decide Clésia dos Santos Barros.
O acusado vai embora em liberdade. Mas a vítima vai continuar com o botão do pânico.
Clésia explica a decisão de manter o botão do pânico, apesar de o acusado alegar que não estava mais ameaçando a vítima: “Isso vai fazer com que ele permaneça longe dela e, com o tempo, se afaste psicologicamente da vítima e leve a sua vida em paz”.
A juíza diz que há casos, como o de um filho que ameaçava a mãe, em que a vítima foi salva pelo botão do pânico. “O filho ia matar ela! E a guarda chegou lá em minutos!”, lembra Clésia.
O acionamento do botão foi o gesto extremo da mãe de um jovem transtornado pelo uso de drogas. A gota d’água foi quando ele tomou todas as economias dele e depois a espancou.
“Ele pegou a sacola e falou: ‘Olha aqui, sua desgraça’. Aqueles palavrões feios... ‘Olha aqui, achei as suas moedas’. Na hora em que eu fui sentar na cama, ele deu um soco no olho. Eu caí, tonteei tudo, comecei a gritar. Ele pegou minhas moedas e sumiu”, lembra a mãe.
Depois disso, ela recebeu o botão do pânico e o acionou assim que o filho a procurou de novo. “Meu filho chegou lá em casa e começou a bater no portão. Aí eu falei com meu esposo: agora é tudo ou nada”, conta ela. “Esse botão salvou minha vida porque, naquele dia, se eu não tivesse o botão ele ia me matar”, acrescenta.
Salvar sua própria vida é o que busca uma outra mulher. Ela diz que o ex-marido, um empresário de Vitória de quem está separada há dois anos, tentou matá-la: “Ele me deu um soco, me empurrou. Eu caí de cima de um sofá em cima de uma mesa de centro. Se ele tivesse me lançado de uma escada, eu tinha morrido”.
Durante dois anos, apanhou em silêncio, porque sentia vergonha. Administradora de empresas, com um círculo de amigos da classe média alta de Vitória, ela não conseguiu reagir.
“É difícil para a pessoa agredida falar o que acontece com ela. Hoje, que estou longe dele, fora dessa situação, acho inadmissível ter passado o que eu passei calada. Na primeira agressão eu tinha que ter saído fora. Só que eu não consegui”, conta a vítima.
Levando o botão do pânico na bolsa, ela agora tem esperanças de fazer o que não tem conseguido há quase cinco anos: viver.
“Tentar viver novamente, né? Porque o que eu estava passando não é vida para ninguém”, afirma a administradora de empresas.
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