Debandada pode começar a partir do dia 5 de julho, quando entram em vigor novas medidas no Código de Processo Penal (CPP)
Em menos de um mês, metade dos presos provisórios do Brasil poderá estar fora das celas, uma multidão de mais de 80 mil pessoas, número que corresponde a um Estádio do Morumbi lotado. Essa debandada pode começar a partir do dia 5 de julho, quando entram em vigor novas medidas no Código de Processo Penal (CPP), que poderão desafogar os superlotados presídios do País, mas, ao mesmo tempo, provocar uma onda de impunidade.
Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 165 mil pessoas ocupavam as cadeias do Brasil provisoriamente até fevereiro. A vigência do novo CPP é retroativa, ou seja, vale para todos os que já estão detidos. "É possível que criminosos inafiançáveis consigam ser libertados pela interpretação da lei. Tenho mais medo da interpretação do novo código do que da própria lei. Eu arriscaria que 50% desses 165 mil serão libertados", estima o promotor David Medina da Silva, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Segundo o promotor, as mudanças favorecem a impunidade e o crime e não servem para desafogar as cadeias e diminuir o custo do sistema prisional do País. "Com o novo CPP, cria-se uma série de alternativas à prisão preventiva. Muitas delas já são aplicadas, mas não funcionam. É uma estrutura que demandaria outra realidade do Brasil em todos os sentidos, e somos céticos com relação a isso. São medidas bonitas, diria até ideais, mas num país onde as coisas andem bem. A ideia romântica de que vamos transformar o País a partir de uma lei e da Justiça perfeitas não existe. A criminalidade aumenta vertiginosamente e se abriu demais a possibilidade de um bandido perigoso ficar solto com esse recurso", afirmou Silva.
Para juízes, mudanças são essenciais
Rebatendo a opinião do Ministério Público, a juíza criminal Renata Gil, que também é vice-presidente de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), afirma que "o discurso de que a prisão preventiva acabou é uma falácia". "Vai ser muito simples cumprir as medidas cautelares. Elas acompanham o anseio da sociedade, que é ver no cárcere somente pessoas que cometeram infrações graves. Essas mudanças são essenciais. Em pouco tempo, vamos conseguir aplicar o novo código e outro paradigma vai se incorporar aos nossos tribunais", aposta ela.
A nova lei deve forçar os governos a investir na fiscalização do cumprimento das restrições cautelares. Sem recursos, porém, será difícil que as mudanças no CPP, como a manutenção de criminosos em prisão domiciliar através de monitoramento eletrônico e a proibição de que eles circulem em determinadas áreas, sejam eficazes. Na outra ponta do debate, a polícia, agente que deve coibir o crime, não fecha questão sobre o assunto.
"Essa visão de que muitos bandidos vão ficar soltos é equivocada. O nosso sistema penitenciário está falido, prisão não corrige ninguém. Não é a cadeia que vai fazer com que a pessoa se regenere. A prisão preventiva deve ser para o último caso. A lei vai deixar recluso quem deve estar preso. Boa parte da polícia, sem dúvida, ficará insatisfeita, mas sempre vai haver alguém pra reclamar", ressaltou o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, George Melão.
A prisão preventiva pode hoje ser concedida para crimes de reclusão em geral. Pela nova norma, a decretação é restrita para crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos e só poderá ser determinada se não for possível substituí-la por nenhuma outra medida alternativa. Além disso, o juiz ou tribunal que determinou a prisão deverá reexaminar o caso, obrigatoriamente, a cada 60 dias. Se o preso não apresentar os requisitos da prisão preventiva, o juiz deverá conceder a liberdade provisória, mediante fiança, ou determinar as medidas alternativas.
Entenda as mudanças do novo Código de Processo Penal do País
O Código de Processo Penal ou Decreto-Lei (DEL) 3.689 entrou em vigência no dia 3 de outubro de 1941, na época em que o presidente da República era Getúlio Vargas. Conjunto de regras e princípios do Direito Processual Penal, ele é destinado à organização da justiça penal e aplicação dos preceitos contidos no Direito Penal e na Lei das Contravenções Penais.
As alterações legislativas no código foram necessárias devido a uma série de incompatibilidades com a Constituição brasileira de 1988. Algumas reformas, insuficientes, foram realizadas em 2008, e então o Senado determinou a formação de uma comissão de juristas para elaborar o novo código, que entra em vigor no dia 5 de julho de 2011. Veja as principais mudanças:
Novas regras para a prisão
- Os presos temporários deverão ficar separados dos condenados. Atualmente, isso é uma orientação, normalmente descumprida;
- A prisão preventiva não poderá ultrapassar 180 dias, se decretada no curso da investigação e antes da condenação recorrível; ou 360 dias, se decretada ou prorrogada por condenação recorrível. O CPP em vigor não estipula prazos para a preventiva;
- O novo texto amplia a prisão preventiva nos crimes de violência doméstica, permitindo o encarceramento de acusados de abusos contra crianças, adolescentes, idosos, enfermos e portadores de deficiência. Antes era restrito à violência contra mulheres;
- O juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, dependendo apenas de verificação de autenticidade do documento. A lei atual prevê somente o telegrama;
- Criação do Cadastro Nacional de Mandados de Prisão, para permitir que um acusado seja preso em outro Estado com maior agilidade;
- O valor máximo determinado como fiança dobrará de 100 para até 200 salários mínimos. O montante poderá ser multiplicado por mil vezes, dependendo da condição econômica do preso. O valor de uma fiança poderá ultrapassar R$ 100 milhões.
Restrições à prisão preventiva
- A prisão preventiva pode hoje ser concedida para crimes de reclusão em geral. Pela nova norma, a decretação será restrita para crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos;
- Se o réu tiver sido condenado por outro crime;
- Possibilidade de aplicação de uma série de medidas cautelares, em vez da prisão preventiva, para garantir a aplicação da lei, preservar a investigação ou evitar a prática de novos crimes.
Medidas cautelares
O novo código prevê 14 tipos de medidas cautelares, para que o juiz tenha alternativas na condenação. São elas:
- Fiança;
- Recolhimento domiciliar;
- Monitoramento eletrônico;
- Suspensão do exercício da profissão, atividade econômica ou função pública;
- Suspensão das atividades de pessoa jurídica;
- Proibição de frequentar determinados lugares;
- Suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave;
- Afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima;
- Proibição de ausentar-se da comarca ou do País;
- Comparecimento periódico ao juiz;
- Proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada;
- Suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte;
- Suspensão do poder familiar;
- Bloqueio de internet;
- Liberdade provisória.
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