Guardas municipais devem trabalhar com armas de fogo em Salvador em 2014 (Foto: Ruan Melo/ G1)
“Algumas pessoas não sabem ser tratadas com educação. Por mais que você fale, elas continuam insistindo no erro. Elas só respeitam se você ameaça, se está armado. Infelizmente, a sociedade só respeita a arma”. Este é o relato do guarda municipal Ubirajara Azevedo. Ele é um dos agentes que irão trabalhar com armas de fogo em
Salvador, em 2014. Segundo o gerente de operações da Guarda Municipal, Carlos Damasceno, a expectativa é de que os cerca de 1,3 mil guardas da capital baiana passem por um treinamento com aulas teóricas, de tiros e capacitação psicológica.
"Aproximadamente há dois anos, a prefeitura estabeleceu com convênio com a Polícia Federal. Foram estabelecidas etapas a serem seguidas para uso da arma de fogo: a implantação da ouvidoria independente, o curso de formação, o qual nós terminamos a primeira turma agora, a formação psicológica. Há etapas a serem seguidas. Existe o prazo da legislação para que, em janeiro, os primeiros guardas possam estar trabalhando", afirma Damasceno. Atualmente, os trabalhadores têm a liberação para uso da pistola de choque (taser), cassetete e spray de pimenta.
De acordo com ele, 35 guardas municipais já encerram a primeira fase com aulas teóricas e de tiros, realizadas na Academia de Oficiais da Polícia Militar. O próximo passo será a capacitação psicológica. Outro grupo com mais 40 guardas faz o curso de balística. Foram selecionados para participar da primeira turma os profissionais com cargos de liderança e coordenadores de equipe.
O guarda municipal Ubirajara Azevedo é coordenador da área do bairro do Campo Grande. Ele é um dos 35 agentes que participaram do curso. “O treinamento foi bem desgastante. Foram 200 horas com aulas sobre conhecimento de armas, desarmar, procedimentos técnicos, postura. Se eu falar que não estou preparado, estarei mentindo. A Guarda Municipal também aprendeu muito nas ruas. O próprio exercício da função nos ensinou. Já prendemos pessoas com arma branca, com arma de fogo. Isso tudo nos trouxe experiência. Esse curso fez com que a gente agregasse mais essa responsabilidade”, acredita. Uma empresa ainda será contratada para realizar a capacitação psicológica dos profissionais.Damasceno acredita que o custo para a realização do programa não é alto se forem levados em consideração os benefícios. "As armas podem ser adquiridas por orçamento, através de compra, ou por doação. Estamos correndo atrás de todas as possibilidades. Sobre o curso, não há uma despesa direta para a Guarda Municipal. A Polícia Militar está cumprindo o que está previsto na Constituição. Na verdade, eu não diria custo, mas investimento. Preparando a guarda, iremos minimizar os custos, sobretudo, com a depredação do patrimônio público. Além disso, vamos possibilitar uma sensação de segurança, permitindo espaços de lazer para a sociedade", garante.
Ubirajara Azevedo é coordenador da área do bairro
do Campo Grande (Foto: Ruan Melo/ G1)
Agressões e desrespeito
Apontando para um homem passando de bicicleta pela praça do Campo Grande, o guarda municipal Ubiraja Azevedo fala sobre o seu trabalho. "Tá vendo ali? No Campo Grande existe um decreto de que não pode transitar nem de bicicleta, nem de skate. Mas existem algumas pessoas que querem desafiar a lei. Parece que gostam. A gente fala, já apreendemos três skates aqui, tem várias placas de sinalização, e não é que fazem de novo?", questiona.
Azevedo conta que já foi desrespeitado durante o trabalho e que já viu colegas sendo agredidos. "Teve um embate no Relógio de São Pedro [no centro de Salvador] que um colega nosso foi agredido com um caixote por um vendedor ambulante. Teve um outro que no carnaval recebeu uma pedrada na cabeça. Teve outros que foram atingidos na praça do Campo Grande. Geralmente são por coisas simples. Às vezes, quando as pessoas estão fazendo necessidades fisiológicas nas árvores, os guardas não deixam e começam a desacatar. A impressão que tenho é de que as pessoas não sabem ser tratadas com educação. Elas não obedecem. Agora, quando você vai com grosseria, elas se intimidam", ressalta.
De acordo com o guarda, somente com a arma de fogo, o profissional passará a ser mais respeitado entre os moradores. Para ele, os riscos no uso do armamento serão mínimos, contanto que os profissionais saibam atuar diante das adversidades. "O que vai dizer para o bandido que aquela arma é fácil de tomar é a postura e compostura do operador de segurança pública. Desde quando você tiver no seu local de trabalho, que está com a postura adequada, ninguém vai fazer isso. A gente sabe a posição que deve ficar, sabemos que não podemos dar as costas. O que está em jogo é a sua vida. A gente sabe o risco que a gente corre e estamos preparados para enfrentar isso", afirma.
Azevedo compara as críticas ao uso da arma de fogo com o início do trabalho com a pistola de choque (taser). "Acho que estão fazendo uma injustiça. Estão fazendo um pré-julgamento. Foi a mesma coisa quando começamos a usar a taser. Nós não temos nenhum registro de arbitrariedade desde quando começamos a utilizar a taser. E vai ser a mesma coisa. Tenho certeza que a população vai aplaudir a Guarda Municipal. Vamos dar essa resposta no trabalho", promete.
O também guarda municipal Antônio Sales ainda não começou a realizar o curso, mas também acredita que as armas de fogo podem trazer mais segurança para o profissional. "Tenho interesse no curso, até porque tem que padronizar. Infelizmente, desrespeito é comum. Perigoso é estarmos nas ruas desprotegidos e diversas vezes recorremos à PM. Tenho certeza que a população quer alguma coisa para minimizar a violência e com as armas vamos contribuir para isso", garante.
Guardas municipais em atuação no bairro do Campo Grande, em Salvador (Foto: Ruan Melo/ G1)
Opiniões divergentes
Para o gerente de operações Carlos Damasceno, estando armados, os guardas devem se sentir mais seguros e também contribuir para a segurança da população. "O nosso guarda estava desprotegido. A partir do momento que tem o homem fardado, representando o poder do estado, que veio fazer a proteção de qualquer um, toda e qualquer demanda que decorresse de ação violenta, ele estava diretamente exposto e colocando em risco o cidadão. Nós levamos em consideração a segurança do cidadão e do servidor", diz.
Damasceno acredita que o treinamento é fator essencial para diminuir os riscos na atuação dos trabalhadores. "O risco existe para qualquer atividade policial. Com certeza, temos baixas na Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal. Qualquer instituição que trabalhe com armamento está passível de baixas. É impossível o risco nulo ou zero. Nós vamos treinar nosso pessoal e cabe à capacitação minimizar a exposição do risco".
O pensamento não é o mesmo do especialista em segurança pública, Carlos Alberto da Costa Gomes. Para ele, com o uso da arma de fogo, haverá um deslocamento da função. "O guarda municipal deveria e poderia ser empregado em ações que a polícia estadual não faz. A polícia estadual está atrás do criminosos, não do menor abandonado, o camelô que está fora do lugar. O problema dele é o criminoso. A guarda municipal vai tratar dessas questões e para essas questões não acho que necessita arma", afirma.
Gomes acredita que o uso de arma de fogo não somente pode deixar o guarda municipal inseguro, como também a população. "O próprio guarda vai ter uma insegurança maior, já que ele vai ter um objeto que é desejo do criminoso. A guarda vai perder o poder de deixar um guarda sozinho e vai ter que usar a técnica da Polícia Militar, que é de usar dois, três, guardas juntos. Na verdade, o guarda municipal é um problema para a própria guarda na execução do seu trabalho. Se você fizer uma pesquisa com cidadãos e perguntar se eles se sentem mais seguros com homens armados, você vai saber que isso não verdade", aponta.
O custo com manutenção do armamento também é um dos elementos criticados por Gomes. "Não é só comprar arma, ela representa custo crescente de manutenção e treinamento. Não pode colocar uma arma em uma pessoa que não tenha condição de manusear. Nem nossa Polícia Militar dispõe de munição suficiente. Imagino a despesa que o município vai ter. Você precisa ter técnicos em manutenção, salas especializadas para guardar o armamento, porque você não pode deixar a arma em qualquer lugar para o bandido roubar", pontua.
Guardas relatam desrespeito e agressões a
trabalhadores da capital (Foto: Ruan Melo/ G1)
O especialista afirma ainda que a simples presença do guarda deveria impedir ações de vandalismo da população. "A depredação do patrimônio acontece pelo abandono do local. Se você tiver o guarda no local, não vai haver depredação. Não é assim que funcionam todas as empresas? Ou acha que as empresas vão exigir porteiro armado? Se esse argumento fosse válido, deveria dizer que todas as pessoas deveriam estar armadas. O que provoca a depredação é o abandono, não ter ninguém para tomar conta. Se o efetivo fosse distribuído pelos diferentes locais, não havia esse dano", garante.
População
Em conversa com o G1, alguns moradores de Salvador mostraram estar a favor e outros contra o uso de armas de fogos pelos guardas municipais. O aposentado Osvaldo Soares afirma que o armamento é importante desde que haja capacitação de qualidade. “Acho que é necessário. Eles trabalharem desarmados é perigoso. O risco de acontecer alguma coisa é o mesmo de um PM, policial civil. Às vezes, vi eles chamando soldados para conter as pessoas porque os moradores não respeitam. Agora tem que usar, mas tem que se preparar”, adverte.
“Devido à violência, isso é até bom. Se ele está preparado, não vejo problema. O respeito vem da pessoa saber que a outra pode revidar. Já vi guarda imobilizando o cara e ele xingando o guarda, não tendo o menor respeito”, opina o morador Luis Henrique Santana.
No entanto, a também moradora do Campo Grande, Rita Salam, acredita que o uso de arma de fogo não é necessária para a função do guarda. “Acho que a violência gera violência. A presença deles por si só deveria inibir. A arma também é para o ego, para mostrar que está armado. Se estiverem preparados não precisam de armas", afirma.