A Guarda Civil Metropolitana ou o dia em que senti “vergonha alheia”
Sandra Maria de Oliveira ,Especial para Opinião Pública
Tarde linda. Parque Vaca Brava. Pessoas passeando, brincando com crianças e cachorros de raça, casais namorando… uma cena pitoresca e apropriada para o local. Ali não é lugar para pobre, não é mesmo? Ah, mas você vai me dizer que é. Desde que vestidos e com comportamento adequado ao local. Pois bem… tarde linda e parque Vaca Brava. Cena pitoresca. Não é para qualquer um. Jovem de bicicleta, bermudões e bonés aba reta… não, definitivamente não é para o Parque Vaca Brava.
Mas o que me interessa? Eu estava ali, fazia parte do grupo socialmente aceito para aquele espaço. Sentada numa manta e numa conversa bem animada com um grupo de amigos enquanto o sol se punha. Muito bacana. Eu tenho direito à cidade. Eis que num rompante ouvimos gritos de homens armados cercando um grupo de jovens que passeavam no parque. Mas ora, qualquer um pode passear no parque, afinal ali é um espaço público. A não ser para esses jovens com cara e tipo de pobres que insistem em querer ter o mesmo direito que o meu. Passados os gritos, os homens continuavam armados. Mas os jovens – que outrora passeavam de bicicleta e estavam sentados em um banco – já se encontravam de pé, de pernas abertas, mãos na cabeça e sendo minuciosamente revistados pelos homens, responsáveis pela segurança de pessoas dignas de frequentarem o parque.
As pessoas continuavam a passear com suas crianças e cachorros de raça, a namorar, a conversarem… e os jovens lá… na mesma posição por mais de uma hora. As pessoas passavam, olhavam e continuavam do mesmo jeito, na sua rotina clássica classe média alta do Bueno.
Neste momento, eu que estava ali – e que apesar de não pertencer socialmente àquele grupo, mas aceita porque não comporto nenhum estereótipo – tenho minha mente inundada por um turbilhão de coisas. Senti constrangimento pela normalidade com a qual as pessoas tratam o fato dos jovens ficarem por horas naquela posição, senti admiração por um rapaz que levantou da grama e começou a filmar e senti muita, muita vergonha pelos guardas civis.
Abordaram os jovens de forma truculenta e desnecessária, posteriormente passaram a uma revista ardilosa… olharam tudo… bonés, meias, tênis, bicicletas, procuravam nos bancos e não encontravam nada, daí revistavam novamente… escureceu… com suas lanternas continuavam a olhar no chão, nos bancos novamente e novamente nos bonés…
E eu ali pensando… Poxa vida! Por que não liberam os garotos? E a resposta mais obvia foi: que situação vexatória revistar um grupo de jovens pobres no Parque Vaca Brava e eles não terem nada que os comprometesse! Como simplesmente liberar os garotos? O que dizer para aquela gente toda que os olhavam, admirados, por estarem protegendo-os contra esse “tipo de gente” e eles não terem nada?
Escureceu, me cansei de olhar para aquela cena tosca e idiota… fui embora… e os jovens lá… de pernas abertas e com as mãos para trás. Mas daí você vai me dizer: ah! Com certeza estava fumando maconha ou bebendo. E eu pergunto? E daí? Mas isso já é assunto para outro texto.
Mas é obvio que este fato suscitou várias outras questões. A primeira é o problema dos estereótipos, que já deveria ter sido superado. Pra ser gente boa tem um padrão específico para se vestir ou se comportar. Daí também entra a questão das identidades juvenis. Ou seja, alguns jeitos e comportamentos só cabem mesmo na periferia. A segunda questão é o debate do direito à cidade. Afinal, a quem mesmo é dado o direito de usufruir dos benefícios que a infraestrutura da cidade oferece? O parque é público e portanto independe de modelos de roupas, cor, orientação sexual ou classe social para ser frequentado. Só que não. Existe um contrato social naquele lugar. Não é para grupo de jovens com identidade de jovens de periferia, assim como não é para cães vira-latas.
E a questão principal, neste fato em si, e que me vinha à cabeça o tempo todo: de quem foi a ideia de armar os guardas civis metropolitanos? Agora os caras pensam que são polícia. E no conceito mais torpe do que significa ser polícia, ou seja, truculência, despreparo e achar que existe um modelo típico de bandido: jovens negros, pobres, vestidos com bermudões, tênis e usando bonés aba reta.
Não, definitivamente esse não é o público do parque Vaca Brava… e a Guarda Civil Metropolitana está lá para garantir isso. E finalizo com uma frase emblemática, dita por uma senhora negra, preconceituosa, que tive o desprazer de conhecer no Rio, em Copacabana, e que traduz bem este sentimento de pretensa exclusividade de alguns segmentos sociais quanto ao usufruto de determinados espaços públicos urbanos: esse tipo de gente não nos interessa!
(Sandra Maria de Oliveira é mestre em História e doutoranda em Sociologia pela UFG, membro pesquisadora do Observatório Juventudes na Contemporaneidade e professora da rede estadual de ensino e da Faculdade Araguaia)