segunda-feira, 23 de abril de 2012 7:00
Policiais da região recorrem à Capital para aumentar renda
Rafael Ribeiro
Do Diário do Grande ABC
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Três vezes por semana, Paulo (nome fictício) acorda às 4h30, toma banho, veste a farda da Polícia Militar e pega o trem em Santo André. O destino é o bairro da Lapa, na Capital, onde cumpre a rotina de andar pelas ruas do local, fiscalizar o comércio popular e flagrar a possível presença de camelôs. Soldado há sete anos, ganha R$ 150 a mais por dia de trabalho, o que ajuda a incrementar o salário mensal de pouco mais de R$ 2.000.
Assim como ele, cerca de 1.500 policiais da região - 37,5% do efetivo de cerca de 4.000 homens - aderiram àOperação Delegada, convênio firmado entre a prefeitura da Capital e a corporação que permite aos policiais atuarem na fiscalização e combate ao comércio irregular fora do horário de serviço. É o chamado ‘bico' oficial. Nenhuma cidade da região ainda aderiu ao sistema.
Firmado em 2009, o acordo envolve as 31 subprefeituras e prevê a participação de mais de 4.000 policias por dia nos pontos onde já foi registrada presença de camelôs. Toda a despesa é bancada pelo poder municipal, mas a escala de atuação é definida pelo comando da corporação. O horário de trabalho é encaixado dentro das 36 horas de folga que o policial tem direito a cada 12 em que trabalha em suas funções rotineiras.
"Se você me perguntar, é claro que gostaria de poder fazer isso na minha cidade. Mas preciso ganhar dinheiro, o jeito é ir até a Capital mesmo", disse outro soldado, que mora em Mauá e já se habituou a pegar o trem e seguir para a Capital quando precisa de ‘engordar' o salário.
Segundo o comando, não há restrição de que apenas policiais da Capital e de Mogi das Cruzes, a outra cidade onde há a Operação Delegada, possam participar do convênio. Basta aos interessados se cadastrarem quando há vagas abertas. Por isso, é comum policias do Interior e Litoral viajarem para poder trabalhar.
Por mês, o policial pode trabalhar até 96 horas no ‘bico' oficial. Segundo a Polícia Militar, o objetivo é evitar que o policial se desgaste. "Essa atividade também dá segurança jurídica para os que querem fazer um trabalho extra. É melhor do que se expor em serviços onde não terão respaldo", disse o tenente-coronel José Belantoni Filho, comandante interino da região.
Maioria das cidades é contra adotar o projeto
Das sete cidades, apenas Ribeirão Pires aprovou lei em 2010 que permite o município discutir a adoção daOperação Delegada. Segundo a Prefeitura, o processo de implementação ainda está em trâmite.
É a única exceção do Grande ABC. Segundo a Polícia Militar, Santo André demonstrou interesse em adotar o projeto, mas as conversas não evoluíram. A Prefeitura não respondeu ao Diário se há interesse.
As demais recusaram a proposta, apesar do comando da região da Polícia Militar confirmar que houve diálogos para tentar convencer os municípios. "Ainda estamos aguardando resposta. Enviamos pedidos para abrirmos diálogo. É um tipo de trabalho que poderia apoiar o já realizado pelas prefeituras", disse José Belantoni Filho.
Segundo a prefeitura da Capital, em 2011 foram gastos cerca de R$ 110 milhões com pagamentos à Polícia Militar por conta da Operação Delegada. Não ter verba para investir ou priorizar gastos com as GCMs (Guardas Civis Municipais são as justificativas para que o projeto tenha sido rejeitado. O GT (Grupo de Trabalho) de Segurança do Consórcio Intermunicipal já entregou há cerca de um ano levantamento que justifica a negativa.
"Cerca de 99% dos policiais que atuam na Operação Delegada fiscalizam, quase que exclusivamente, o comércio ilegal. Não vejo quais ações eles realizariam no Grande ABC que os próprios municípios não sejam capazes de fazê-las", disse Benedito Mariano, líder do GT.
A exigência do consórcio é por aumentar o efetivo da Polícia Militar na região. Atualmente, os seis batalhões locais contam com cerca de 4.000 homens. Na avaliação do GT, há necessidade de mais 1.000 policiais.
"Defendemos que a Assembleia Legislativa aprove lei que garanta pelo menos hora extra aos policiais para que possam exercer funções que são de sua alçada", disse Mariano.
O comércio regional, no entanto, pensa diferente. Se na Capital os donos de lojas comemoram suposto aumento no número de clientes, no Grande ABC a percepção é de que a fiscalização ajudaria a coibir ainda mais os ambulantes ilegais. "A Prefeitura (de Santo André) vem fazendo um bom trabalho. Mas se um acordo com a Polícia Militar puder apertar o cerco aos irregulares, somos totalmente favoráveis. A concorrência com quem não paga imposto é desleal", disse Evenson Dotto, presidente da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André).
Folga não deve ser usada para trabalhar, diz especialista
"Folga é para o policial poder descansar." Essa é a opinião do coronel da reserva da Polícia Militar e especialista em segurança José Vicente Silva. Contrário à Operação Delegada, ele diz que o governo estadual admite que paga pouco ao permitir o convênio.
"A prefeitura paga valor mais baixo do que o cobrado por empresas de segurança. E conta com homens com treinamento de qualidade. O poder municipal reconhece que a Polícia Militar tem mais preparo para atuar como autoridade legítima do que sua Guarda Municipal", disse.
Exercer atividade paralela não é exclusividade de policiais brasileiros. Nos EUA, o chamado ‘bico' é permitido mediante análise de comissão que avalia se o trabalho extra influenciará ou não as funções rotineiras.
O método de atuação também é alvo de críticas. O policial trabalha em pé e sua presença, apesar de inibir a criminalidade e receber elogios de lojistas paulistanos, não combate o comércio clandestino. Segundo a prefeitura, ainda existem cerca de 20 mil ambulantes ilegais na Capital; o Grande ABC tem cerca de 1.000.
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