poder tipificar desacato (art. 331 do Código Penal), pode também configurar abuso de autoridade (Lei 4898/65).
Não raras vezes nos deparamos com operações realizadas nas ruas de nossas cidades com o fim de fiscalizar a regularidade dos documentos dos veículos, habilitação dos condutores dentre outros desideratos. Tais atribuições são desempenhadas pelos guardas municipais de trânsito, pelas polícias civil e militar, polícia comunitária e por inúmeras outras instituições responsáveis pela manutenção da tranquilidade no trânsito, bem como pela segurança geral da população.
Não raras vezes, também, deparamo-nos com um preocupante comportamento, já enraizado e incutido em nossa cultura, o malfadado, corriqueiro e famoso “você sabe com quem está falando?”, mais conhecido como carteiraço ou carteirada.
Essa forma de comportamento é uma das características mais marcantes da estrutura social hierarquizada brasileira, onde alguns que possuem carteira de delegado, procurador, juiz, desembargador, governador, deputado, prefeito, vereador, médico, advogado, dentista, secretário, diretor de universidade, elitistas que pertencem a famílias tradicionais, servidores públicos em geral e muitos outros (a lista não tem fim!), tentam impor sua surreal supremacia sobre os cidadãos comuns.
Não gera mais tanto espanto os infindáveis casos de carteirada noticiados pelos mais diversos meios de comunicação. Quem exerce cargo público precisa se conscientizar de que não está acima da lei, não é intocável, mas sim está abaixo dela, deve obediência a ela.
É de se ressaltar que os que se intitulam seres acima da lei e que seriam os únicos protagonistas dos carteiraços não estão mais sozinhos. Uma nova forma de abuso surge: são os carteiraços de mulheres, filhos, sobrinhos, vizinhos, amigos e até amantes de pessoas que se julgam importantes e que de tão prepotentes acreditam que sua posição pode servir de manto protetor para abusos. Acreditam que estão em uma posição privilegiada a ponto de não precisarem cumprir os ditames básicos para uma convivência pacífica em sociedade.
Não resta outra conclusão a não ser a de afirmar, com extrema convicção, que tais atitudes estão num patamar de primitivismo e de arcaísmo inaceitável em pleno século 21. Uma nação prestes a sediar Copa do Mundo e Jogos Olímpicos necessita urgentemente de um chá de etiqueta, para aprender algo muito difícil: o respeito.
Tal forma de comportamento (arrogante!) nos remete ao que aconteceu com uma guarda de trânsito, no Rio de Janeiro, conforme matéria publicada pelo jornal “O Globo”, em 11 de julho de 2002.'' Ao fazer cumprir a lei, a guarda municipal acabou indo para a delegacia e autuada depois de multar o carro do filho de um renomado jurista - um Golf - e mais sete veículos estacionados em local proibido''. (Rua Lacerda Coutinho, em Copacabana).
Além de o “você sabe com está falando?” poder tipificar desacato (art. 331 do Código Penal), pode também configurar abuso de autoridade (Lei 4898/65).
Precisamos sepultar de vez o uso do “você sabe com quem está falando?”. Quando eu me deparei pela primeira vez com essa pergunta de natureza imperativa, respondi imediatamente “eu estou falando com ninguém!”, quase saí preso da audiência, mas confesso que de alma lavada! Não recomendo assim responder, mas sugiro que quando se deparar com um carteiraço acione os órgãos correcionais, não seja mais uma vítima.
Além de crescimento econômico e social, devemos saber que tudo passa por uma mudança interna, pessoal, pequenas atitudes podem trazer grandes mudanças.
* DIEGO PEREIRA MACHADO, Procurador Federal,
Especialista e Mestrando em Direito, Professor .
diegopm_brazil@yahoo.com
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